A ciência por trás do Yoga – 1ª parte

A crescente implantação que o yoga tem actualmente em todo o mundo está a reflectir-se na cultura social, sendo frequente encontrarem-se referências ao yoga em fotos de capas de revistas e em meios de comunicação diversos. Uma das coisas lamentáveis que acontece com a passagem dessa informação é que, para a tornar apelativa, os fotógrafos passam imagens fotogénicas de mulheres bonitas, em posturas complicadas. Isso é bom porque ilustra as posturas, mas tem como factor negativo criar a imagem de que o yoga é uma prática para pessoas flexíveis, mulheres novas, magras e brancas, originando um estereotipo que não tem nada a ver com o yoga. Contrariamente a esta ideia, que é infelizmente a que a generalidade das pessoas retém, o yoga é acessível e ajustável a qualquer condição física e idade.

Por outro lado, a identificação do yoga com a saúde e o bem-estar é aproveitada pela indústria de publicidade, com o intuito de associar ideias como saudável e correcto a produtos que nada têm a ver com o yoga, mas que pretendem identificar-se com os seus aspectos positivos e induzir a ideia de que consumir o produto anunciado proporciona os mesmos benefícios que a prática do yoga. Mas o yoga não é nada disto. Foi o seu reconhecimento como filosofia de vida que levou ao estabelecimento do Dia Internacional do Yoga a 21 de Junho e à sua distinção como Património Imaterial da Humanidade em 2016.

Face a esta desinformação, exige-se que, antes de começar a discutir o tema – a ciência em que se fundamenta a prática do yoga – comecemos por dar enquadramento ao que se entende por yoga. O yoga é uma prática de múltiplas componentes[1] que englobam uma parte física, a que se chama asanas, técnicas respiratórias, a que se chama pranayama, técnicas de relaxamento e yoganidra, que se define como um estado de sono consciente, e a meditação,  que é uma componente contemplativa, com efeitos muito benéficos sobre a nossa saúde física e psíquica. Praticar yoga passa por todos estes estágios, que constituem uma sequência articulada que vai do denso, o corpo, para o subtil, isto é, a consciência.[2]

A aceitação do yoga no mundo ocidental tem vindo a desencadear diversos estudos científicos sobre o yoga e os seus efeitos na saúde, que constituem hoje um conjunto de evidências sobre as mais-valias da prática de yoga, conhecida e reconhecida há muitos milhares de anos na Índia, onde teve origem.

A associação do yoga à terapia teve início no princípio de século XX e ganhou grande visibilidade quando o Governo Indiano publicou o primeiro livro sobre yogaterapia, em 1963. Historicamente o yoga não foi estabelecido como meio terapêutico, mas o facto é que, tendo-se verificado que a prática do yoga traz muitos benefícios para a saúde física e mental, começou a usar-se o yoga como coadjuvante do tratamento de várias perturbações fisiológicas e psicológicas. O crescimento do yoga como terapia aconteceu também nos países ocidentais, e em particular nos Estados Unidos onde, com a designação de práticas médicas complementares, foi incluída a prática de yoga terapêutico, que teve um crescimento exponencial de 5.1 para >9.5% desde 2002 até 2012.[3]

Um dos primeiros estudos sobre as questões fisiológicas associadas à prática do yoga foi efectuado por investigadores da Universidade de Michigan que, usando equipamento médico sofisticado, foram para a India estudar as características de yoguis que dedicavam a sua vida à meditação. O que concluiram foi que “ …do ponto de vista fisiológico, a meditação yoguica corresponde a um estado de relaxamento profundo do sistema nervoso autónomo, sem sonolência ou sono…” A primeira coisa que ressalta desta conclusão é que, ao contrário do que o nome sugere e do que se pensava até então, é possível condicionar o sistema nervoso autónomo, através da meditação. Ora o sistema nervoso autónomo atravessa todo o corpo e regula a maior parte das funções vitais, sendo ele que dá resposta ao stress, isto é, que reage e induz a resposta fisiológica a algo desagradável. Também envolvidos na resposta ao stress estão o hipotálamo e a hipófise que, através da segregação de hormonas (como por exemplo o cortisol, conhecido como a hormona do stress) regulam o funcionamento do metabolismo dos açucares, das gorduras, das proteínas, da formação dos ossos e do sangue, do sistema intestinal e ainda da resposta do sistema imunitário. Daqui se conclui que a prática do yoga fortalece os sistemas imunitário, glandular e nervoso e gera capacidade de auto-regulação, isto é, capacidade para controlar funções fisiológicas e mentais internas, bem como as respostas a elas associadas.

Com base em estudos de biologia molecular foi demostrado que, embora não seja possível alterar os genes, que resultam da herança genética de cada um, é possível modificar a resposta genética (ver Figura DNA-transcrição genética-proteína), isto é, modificar a síntese de umas proteínas em detrimento de outras, através de um processo que é genericamente chamado regulação da expressão genética. Sabendo que as proteínas são responsáveis pela maior parte das respostas fisiológicas do corpo, pode estabelecer-se uma relação entre a natureza da resposta, positiva ou negativa, e os comportamentos saudáveis ou não-saudáveis, adoptados pelas pessoas. Por outras palavras, o estilo de vida de cada um pode potenciar ou reprimir a expressão de proteínas que desencadeiam estados saudáveis, ou o contrário.

Esta informação, associada a trabalhos de investigação desenvolvidos no Benson-Henry Institute for Mind Body Medicine e na Universidade da Califórnia em Los Angeles, permite compreender de que modo a prática do yoga activa genes que são bons para a saúde, como os que controlam o stress, por exemplo, e bloqueia outros, que seriam responsáveis pelo aparecimento de inflamações e doenças.

A conclusão é que a prática do yoga pode mudar o corpo não só ao nível celular, mas também ao nível molecular, o que refuta completamente a ideia de que o yoga é um placebo cujos benefícios resultam de efeitos imaginários. Os benefícios da prática do yoga são bem reais, e associados a alterações fisiológicas reais.

[1] No YogaSutra, um dos textos clássicos mais importantes do Yoga, Patanjali enumera oito estágios: Yamas e Nyamas, que são princípios éticos, morais e de disciplina que visam o controlo de desejos, paixões e emoções e articulam a convivência com os outros; Asanas, Pranayama e Pratyahara, que correspondem à prática física, da respiração, e à libertação do domínio dos sentidos e de objectos exteriores; Dharana, que significa concentração, Dhyana, que significa meditação e, por último, Samadhi, um estado de superconsciência que se atinge com a meditação profunda e corresponde ao estágio último de liberdade espiritual.

[2] Sinónimos de consciência: inteligência, compreensão, conhecimento, honradez, rectidão

[3] Trends in the use of complementary health approaches among adults: United States, 2002-2012, Clarke, T. C., Black, L. I., Stussman, B. J., Barnes, P. M. Nahin, R. L., National Health Statistics Report, 79:1-16, 2015.


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